quarta-feira, 29 de julho de 2009

OFEREÇA-SE UM CÓDIGO CIVIL À CAMARA...


Por proposta do Presidente da Câmara, a Câmara Municipal de Tomar aprovou na terça-feira, dia 21 de Julho de 2009, um subsídio extraordinário de 78.631,61 euros à Comissão da Festa dos Tabuleiros de 2003, no sentido de saldar as dívidas existentes. Esta proposta surgiu na sequência das notificações feitas pelo Tribunal aos membros da Comissão das Festas de 2003, para pagarem as mesmas dívidas. A decisão camarária foi tomada por unanimidade, o que significa que mereceu o acordo de todos os vereadores presentes, do PSD, do PS e dos Independentes por Tomar.

Esta deliberação é verdadeiramente inaceitável. Vejamos porquê.

O Código Civil é muito claro e diz o seguinte:

ARTIGO 199º
(Comissões especiais)

As comissões constituídas para realizar qualquer plano de socorro ou beneficência, ou promover a execução de obras públicas, monumentos, festivais, exposições, festejos e actos semelhantes, se não pedirem o reconhecimento da personalidade da associação ou não a obtiverem, ficam sujeitas, na falta de lei em contrário, às disposições subsequentes.

ARTIGO 200º
(Responsabilidade dos organizadores e administradores)

1. Os membros da comissão e os encarregados de administrar os seus fundos são pessoal e solidariamente responsáveis pela conservação dos fundos recolhidos e pela sua afectação ao fim anunciado.

2. Os membros da comissão respondem ainda, pessoal e solidariamente, pelas obrigações contraídas em nome dela.

3. Os subscritores só podem exigir o valor que tiverem subscrito quando se não cumpra, por qualquer motivo, o fim para que a comissão foi constituída.


O sublinhado é nosso. Estes dois artigos pertencem a uma lei da República aplicável em todo o território nacional. Não. Errado. Em Tomar, não se aplicam, embora se desconheça lei que permita esta original excepção territorial.

A diferença entre uma associação e uma comissão de festas é que uma associação constitui-se por tempo indeterminado e os activos e passivos resultantes da sua actividade transmitem-se aos sucessivos corpos sociais. É por isso, por exemplo, que a actual Direcção do União de Tomar tem de pagar dívidas feitas por outras Direcções. Nas comissões de festas já não é assim. A comissão apenas existe para organizar uma festa e acaba quando a festa se conclui. Não têm personalidade jurídica, não duram por tempo indeterminado, são temporárias e os seus passivos são da responsabilidade dos seus membros. As dívidas de uma comissão de festas não se transmitem aos membros das comissões de festas seguintes.

Foi justamente por ser assim que ninguém exigiu, nem pode exigir, aos membros da Comissão da Festa de 2007, que, aliás, deu vistoso lucro, em contraste com o esbanjamento e a má gestão da Comissão da Festa de 2003, que pagassem as dívidas contraídas pelos membros da Comissão da Festa de 2003. Como foi justamente por isso que se puderam realizar as Festas de 2007 e poderão realizar as Festas de 2011 e de 2015 e quantas mais quiserem, independentemente do pagamento das dívidas da Comissão das Festas de 2003.

É, pois, uma patranha política de maus pagadores, uma mentira para justificar o injustificável, dizer que a Câmara vai pagar as dívidas feitas pelos membros da Comissão de 2003 com a ameaça de que essa é a única maneira de se poderem fazer as Festas de 2011. Se assim fosse já não poderiam ter sido organizadas as de 2007…

A verdade é que a Câmara decidiu pagar estas dívidas sem qualquer razão de interesse público. Não tem de pagar, nem, digo eu, pode pagar. Não existe um único motivo relevante que justifique uma deliberação destas. A não ser que a Câmara tenha deliberado igualmente, o que se desconhece, que depois de pagar a dívida vai exercer direito de regresso contra os membros da Comissão para ressarcir os cofres da autarquia da quantia indevidamente desembolsada.

Compreendo que deve ser uma maçada para os membros da Comissão de 2003 terem de pagar agora uns milhares de euros. Mas isso é um problema da sua vida privada, que não diz respeito aos contribuintes e no qual deviam ter pensado no momento em que gastavam o que tinham e o que não tinham nem podiam.

Só vejo uma razão, pois, para um despautério destes: isentar os responsáveis pelas dívidas do seu pagamento. O que é muito feio e tem um nome. Também está na lei.

Jorge Ferreira

(publicado na edição de amanhã de O Templário)